Abrir os ouvidos para as inovações nos media

Quando se fala em áudio, nem sempre pensamos no potencial que realmente pode ter nos media. As parcerias com empresas ou universidades, num processo de inovação aberta, podem ser uma estratégia interessante por parte dos OCS para inovar nos conteúdos áudio e jornalísticos. Uma mais-valia que também beneficia pessoas com deficiência visual ou auditiva.

Se pudesse escolher, qual seria o som que gostaria de ouvir e que nunca teve oportunidade? Nem sempre pensamos com profundidade sobre o que gostaríamos de realmente escutar. Em tempos, tive curiosidade em ouvir o sol, depois de assistir a um eclipse total. Comecei a pensar se as explosões solares tinham um som semelhante a um incêndio. Hoje, já é possível ouvi-lo e o áudio é bastante interessante. E está longe de ser parecido a algo a ser queimado.

Em agosto deste ano, também se tornou possível ouvir um buraco negro, um dos objetos celestiais mais enigmáticos do universo. A NASA partilhou na conta de Twitter um áudio de 30 segundos e no comunicado da agência, citado pela Rádio Renascença, lê-se que o Observatório de Radio-X Chandra recolheu estes dados e transformou-os num áudio, aumentou-o em quase 60 oitavas para o ser humano poder apreciá-lo.

Este processo – o de converter dados em som – designa-se por sonificação de dados (data sonification) e é bastante útil para perceber de que maneira determinados fenómenos ou processos ocorrem através do som (os exemplos mais flagrantes deste uso é o contador Geiger ou os sensores de estacionamento de um automóvel – sim, aquelas onomatopeias são sonificações de dados).

E no jornalismo, o data sonification é uma ferramenta vantajosa não só para entender determinado facto, como para demonstrar essa realidade, principalmente para quem não a consegue ver ou ouvir. Pessoas com algum tipo de deficiência auditiva (que percecionam o som de outra forma) ou visual não consomem as notícias da mesma maneira que as restantes. E é também para elas que devem existir formas de lhes apresentar o mundo. A sonificação de dados pode ser uma estratégia.

A título de exemplo, Sophie Chou, uma jornalista de dados que trabalha no ProPublica, tem vindo a trabalhar com os dados dos massacres com armas de fogo no EUA e já publicou duas sonificações (em 2017 e 2018). Também a BBC lançou, em 2009, uma série de sonificações de dados para ilustrar várias questões (que ainda hoje se mantêm atuais), entre elas a migração do México para os EUA.

Mais recentemente, o mundo assistiu a imagens, infografias, visualizações de números, rostos e reportagens sobre o aumento (ou diminuição) do número de casos provocados pela COVID-19. Vimos uma pandemia. E como é que a ouvimos? O jornal espanhol El Correo, demonstrou, através da sonificação de dados, o estado de ocupação e de mortes nas UTI’s em plena vaga pandémica.

Porém, este tipo de inovação nos formatos auditivos requer investimento, tempo e um conjunto de especialistas (jornalistas, engenheiros, sonoplastas, cientistas, entre outros) que desenvolvam, apliquem e percebam se aquele formato e aquela tecnologia tem uma boa receção junto dos ouvintes e de que maneira podem melhorar o conteúdo.

Uma das formas que os meios de comunicação têm apostado para este efeito passa pelo conceito de inovação aberta, proposta por Henry Chesbrough, professor na Harvard Business School, no livro Open Innovation (2003). A principal ideia é a de que empresas ou instituições externas possam ajudar a melhorar as estratégias de inovação internas. Existem diferentes tipos de inovação aberta a ter em consideração, mas há múltiplos exemplos de como a colaboração entre universidades e/ou empresas com os OCS podem beneficiar o próprio jornalismo.

 

“Por favor, confira que não é um robô”

 

Várias são as rádios estatais que têm agregadas um laboratório de inovação para testarem e experimentarem ideias. A BBC é um desses exemplos. Desde a sua fundação, em 1922, que o o laboratório de inovação R&D tem vindo a ser pioneiro em várias áreas, desde a melhoria da qualidade do som ao impacto de certas tecnologias para a melhoria de determinados serviços (como a introdução de cor na televisão).

Na área sonora, desenvolveu projetos com a tecnologia de áudio binaural (ou seja, áudio 3D, que se define por consumirmos som com headphones da mesma forma que o ouvimos na vida real) tais como o Audio Research Partnership, em que trabalham, desde 2011, em conjunto com as universidades de Surrey, Salford, Queen Mary, York e Southampton. No âmbito desta parceria com a universidade de Queen Mary, a BBC participou com o projeto de doutoramento (2019) de Audio Augmented Reality (AAR), ou seja, Realidade Aumentada de Áudio com o nome “Please Confirm You are not a Robot”. As duas estudantes Anna Nolda Nagele e Valentin Bauer desenvolveram uma experiência em que o som está – imagina-se – nos olhos.

Utilizando os Bose Frame Audio sunglasses (que têm pequenas colunas nas hastes), a experiência sonora, de cariz colaborativo, teve como objetivo alertar os consumidores para as práticas digitais e o modo como impacta o mundo à sua volta, recebendo as indicações através de “Pi”, o assistente virtual sonoro. Numa das primeiras interações, este assistente pergunta aos participantes: “Por favor, confira que não é um robô”, o que acaba por ser irónico.

Para além destes projetos, a empresa de media disponibiliza a plataforma BBC TASTER onde conteúdos experimentais podem ser testados e classificados pelos utilizadores. Mas as iniciativas e colaborações da BBC não se ficam por aqui: foi fundado o BBC Sounds Audio Lab, um espaço que abre, anualmente, open calls para criadores para desenvolverem os seus projetos relacionados com o áudio e podcast.

A Radio France é outro exemplo que utiliza esta lógica de open innovation. Em 2020 lançou o programa SandboxFabriquons l’audio de demain que acolhe start ups e projetos para testarem as suas ideias relacionadas com o áudio e com a rádio, em conjunto com a equipa da Radio France. Uma dos start ups que beneficiou deste programa foi a Karacal, que trabalha com geolocalização de podcasts.

Em território português, há colaborações entre as universidades e OCS que podem ser vantajosas, não só na ótica de experimentação, como de inclusão. O data sonification é um excelente exemplo de como os dados, transformados em melodia, podem ser benéficos para conhecer, de outra forma, determinado assunto e para incluir quem não pode aceder na totalidade à informação. Num mundo que é extremamente visual, inovações ao nível do áudio, quer na produção, quer na distribuição, fruto de parcerias e colaborações com universidades, artistas e empresas podem ser uma mais-valia para que se conheçam outras realidades.

Agora que sabe que é possível ouvir o que parece impossível, volto a perguntar. Se pudesse escolher, qual seria o som que gostaria de ouvir e que nunca teve oportunidade? Já nem o universo é o limite.