Manifesto d’O Consórcio

Cooperar é resistir

Somos um grupo de jornalistas e representantes da academia que vê com esperança, e preocupação, o papel social do jornalismo. Juntámo-nos para criar o primeiro consórcio de jornalistas de investigação em Portugal.

Somos diferentes, temos interesses e especializações diversas, trabalhamos em redações muito heterogéneas e (jornais, sites, televisão, podcast) investigamos áreas diferentes. Estamos de acordo no principal: o jornalismo é a forma de garantir à nossa comunidade a informação de que necessita para tomar decisões em liberdade.

A crise do jornalismo deixou os empresários de media, no mundo inteiro, muito dependentes das empresas de consultoria que, regra geral, sugeriram cortes profundos nas redações, forçando a saída da geração mais madura, mais experiente e com maior capacidade de liderar ações de formação internas. Estas saídas tiveram, igualmente, um efeito direto no jornalismo de investigação. Se, por um lado, a redação está a desinvestir na formação interna, por outro, à geração mais nova está vedado o acesso à investigação.

O desinvestimento a que assistimos no jornalismo de investigação no mundo inteiro adquire contornos mais agudos num país como Portugal, onde um mercado frágil tem ainda menos disponibilidade para explorar matérias jornalísticas complexas, que exijam tempo, meios humanos apetrechados e capacidade para resistir às pressões dos processos ou dos anunciantes.

À crise do jornalismo junta-se a complexidade cada vez maior das histórias jornalísticas, muitas com ramificações internacionais. O mundo em rede apresenta hoje grandes pacotes de informação por filtrar, a exigirem, quase todos, competências complementares ao jornalismo — análise e tratamento de dados, proximidade relativamente aos diversos lugares da notícia, conhecimentos específicos sobre realidades distintas — e essa complexidade impede os jornalistas de alcançar sozinhos o objetivo de desocultar a verdade.

O jornalismo colaborativo torna viáveis histórias inalcançáveis para o jornalista solitário.

Os consórcios de jornalistas profissionais, associando diferentes plataformas, diferentes ritmos de trabalho, diferentes linhas editoriais, muitas vezes diferentes países, são uma alternativa à indiferença. Os jornalistas do consórcio não são concorrentes, não competem entre eles pelo exclusivo jornalístico, e, apesar das diferenças que os separam, ou sobretudo por causa delas, colaboram.

Na base da formação dos consórcios colaborativos está, todavia, o jornalista diferente dos demais: que resiste, que se reergue a cada fracasso, que vê para lá do óbvio, recusando a visão oficial; o jornalista crítico que, em todas as etapas da investigação, escrutina, duvida, detalha. Em conjunto, colaborando e não competindo, esses jornalistas conseguem a escala, e a massa crítica, que torna cada história inevitável.

No tempo da informação global, onde todas as peças se cruzam, o jornalismo exige competências vastas que ninguém, sozinho no seu mundo estanque, consegue abarcar. A colaboração entre jornalistas e entre órgãos de comunicação social prolonga a vida do jornalismo de investigação, porque agiganta a história e lhe dá a escala que lhe permite resistir às inevitáveis pressões.

A era do jornalista de investigação solitário — inundado de informação, espalhada pela secretária e ainda por filtrar — permanentemente ao telefone, arredado dos demais, qual peça solta da redação, é já um acaso e não prolonga a vida do jornalismo de investigação.

A competição pelo exclusivo domina, ainda, as estratégias editoriais de plataformas concorrentes, provocando uma distorção de valores que tem reflexos diretos na qualidade do jornalismo produzido. As regras de funcionamento dos consórcios jornalísticos são transparentes e só os que as cumprem podem manter o vínculo.

Um consórcio de jornalistas de investigação portugueses, em aliança estratégica tanto com organizações internacionais de jornalistas como com a academia, pode ser uma resposta que fortaleça o futuro do jornalismo de investigação em Portugal.

A aliança com organizações internacionais de jornalistas proporciona pontes em termos editoriais, estratégicos e até logísticos. Já a ligação à academia pode ser feita com os diversos mestrados em jornalismo, onde existam seminários exclusivamente dedicados à investigação jornalística, associando-se os estudantes, os professores desses seminários e — seguindo o trilho de cada investigação — associar-se-iam, igualmente, professores especializados nas áreas investigadas.

Este não é apenas um projeto de resistência, é uma ideia de futuro. 

Carla Baptista

Cláudia Marques Santos

Dora Santos Silva

João Figueira

José Ricardo Carvalheiro

Filipe Teles

Marisa Torres da Silva

Paulo Moura

Paulo Pena

Pedro Coelho

Pedro Miguel Santos

Ricardo Cabral Fernandes

Ricardo Correia Afonso

Ricardo Esteves Ribeiro

Tiago Carrasco